sábado, outubro 31, 2015

sobre a saudade e o chocolate quente

"Obrigado!"

Essa foi a última coisa que ouvi você dizer. 

Fiz um chocolate quente para mim, outro para você. Levei até você, na sua poltrona vermelha, e fui dormir. No dia seguinte, estava no banho quando você saiu. Algum tempo depois, ligaram. Te vi de novo, desacordado, entrando na ambulância. Até então, eu estava forte. Acho que não queria acreditar. 

Já no hospital, desabei. Chorei e solucei sozinha, com estranhos me olhando com dó e preocupação. Médicos vieram falar comigo: "é grave, mas estamos fazendo de tudo". Chorei e solucei com a família e amigos. 

"O coração dele é forte" - disse um dos médicos. E eu não sei? Forte, enorme e bom. 

Será que você percebeu o carinho que eu fiz na sua barba naquela cama de hospital? 

No dia seguinte, você se foi. Queria poder ter agradecido, por tudo. Queria tanta coisa. Agora só tenho essa saudade, que dói, dói e dói. Acho que é mentira aquela história de que o tempo cura tudo. Cura nada, só nos ajuda a nos distrair com outras coisas. 

Minha "distração" agora é minha dissertação de mestrado. Por ironia do destino, tenho que escrever sobre a morte - e a vida. Como escrever sobre, se eu ainda não aprendi a lidar com? Aliás, será que algum dia nós aprendemos?

Vou tentando. 

Até hoje não consegui tomar um chocolate quente de novo. 


ilustração de gervasio troche