domingo, julho 31, 2005

desfecho foragido (ou não perca o final de um texto)

abriu os olhos e ele não estava mais na cama. há muito tempo isso vinha ocorrendo, mal se viam durante a semana. ele saía de casa antes dela e quando ela chegava, ele já estava dormindo. ou não estava em casa. e não havia como evitar essa situação. o trabalho e a faculdade ocupavam a vida dos dois. ambos sentiam falta dos tempos antigos, mas por conveniência era melhor não demonstrar.
sim, ela ainda o amava. não como quando o conheceu, mas amava. e sim, ele também a amava. até mais do que quando se conheceram, embora a cada dia trocasse menos palavras com ela. estava se tornando um homem fechado, no auge dos seus trinta anos, devido às vicissitudes da vida. em um acidente de carro, há sete anos, sua família foi embora. mãe, pai, irmão, irmã. ele não participou dessa viagem pois tinha um trabalho a fazer no hospital. pediatra. ele amava as crianças, dizia sempre que era preciso cuidar delas para dar um jeito no mundo. e muitas vezes fora visto, escondido, no canto do consultório, chorando lágrimas finas quando os pequenos seres deixavam a sala chorando lágrimas grossas. era sensível.
ela, por outro lado, não se comovia com as pequenas grandezas do mundo. não que fosse uma pessoa má ou insensível; era cética ao extremo. não acreditava em melhoras humanitárias, em milagres divinos e muito menos na bondade das crianças, o que acarretou muitas discussões com o homem. homo sapiens. também não acreditava muito na sabedoria e na elevação espiritual; para ela, tudo seria pó no final. "os livros corrompem as pessoas, deixam-nas sensíveis a coisas impossíveisde mudar, não vale a pena.", dizia com frequência.
estavam juntos há dez anos. moravam juntos há cinco. idéia dela, apesar de tudo. ele, a princípio, relutou. mas acabou aceitando. seria agradável. conheceram-se ao acaso, em uma festa. horrível, na opinião de ambos. o acompanhante dela foi embora, bêbado, com uma qualquer e ele só apareceu por lá para buscar a irmã. mas acabou se interessando por uma moça de cabelos curtos, meio rebeldes, com uns olhos escuros e petrificados que davam a ela um aspecto de boneca de cera. seu nome era cláudia. ela não reparou no rapaz de gestos lentos e olhar manso que se se aproximava. continuava a brincar com os palitos em cima do balcão do bar. ele sentou-se ao lado dela e ficou ali, em silêncio por muito tempo. foi isso que fez com que ela notasse a sua presença. a ausência de palavras.

sábado, julho 09, 2005

as palavras estão de férias.